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Apenas quatro mulheres (crônica)

Fevereiro 06, 2022

Somadas as idades, ultrapassam 300 anos. São viúvas, separadas, solteiras. O que têm em comum? O desejo de passear, ver coisas belas e trocar experiências. Todas têm história de cuidados com a família. São, também, mães, esposas, filhas. Família é o elo que as une. Cresceram juntas, com históricos semelhantes. Vidas de serviço, paciência, abnegação.

“A”, “G”, “Z” e “C” unem-se em razão do respeito às que as precedem. Mulheres com histórias sofridas, tolhidas em suas liberdades, pensamentos, desejos, anseios.

“A” deu voz a seus anseios, perseguiu seus sonhos, ganhou a liberdade, lutou por ela, descortinou o mundo, leu, aprendeu, investiu. Fala de namoricos e flertes – forma de transgredir o caminho retilíneo das “marcadas como mulher”. Apenas um sopro, mas faz muito vento, mais que as outras.

“G” viveu para o trabalho, marido e filhos. Carrega o troféu da honra da mulher honesta. Mulher de espírito forte, lúcida, cuja única transgressão é ter uma irmã falante, irreverente, feliz. Agora, aos 87 anos, dedica-se à horta, a casa, aos gatos e cachorros – companhias que lhe nutrem. Não se sente só!

“Z” foi casada, teve quatro filhos, separou, trabalhou para sustentar os filhos (que criou praticamente sozinha) e cuidou dos pais na velhice. Tem um filho especial, que ainda exige toda a sua atenção. Aos 83 anos, cuida da casa, dos cachorros e do filho. Com o crochê, põe brilho e ordem ao seu quotidiano. Habilidosa, crocheteia uma vida mais bela, na qual ela tem a liberdade de dar a forma e o colorido que quer à sua realidade.

“C” sonha em se libertar de todas as marcas, todas as correntes: libertar a si e às ascendentes. Pé na terra, mas espírito livre, dedica-se à meditação, para ir mais fundo e descobrir o que vai além das dualidades, das marcas. Ela olha para as mulheres sábias, que lhe passaram seus legados, faz uma reverência e segue sua própria trajetória. Seu caminho é voltado para dentro, para conhecer e se tornar sua melhor amiga, dar apoio e carinho a si mesma, suas escolhas e seus potenciais.

Mulheres fortes, cuidadoras, que descobrem e utilizam ferramentas para tornar a vida mais leve.

Quatro mulheres: jornadas de força, coragem, dedicação e muita fé. Acreditam que a vida tem um sentido maior, embora não saibam qual é – apenas confiam, como seus corações pedem. Ainda linkam as experiências de ver e sentir a paisagem com suas vidas e trazem à tona sua irmandade, suas preguiças, reclamações e mazelas.

No convívio diário, são taxadas de reclamonas, teimosas, chatas, velhas, justamente por aqueles algozes que as mantêm no cativeiro das padronagens; então, são deixadas de lado e se tornam invisíveis, incômodas, pesos, travas. Esse jeito de ser socialmente aceito impôs essa pecha, e elas se esquivam, sendo irreverentes, inocentes – muitas vezes, deixando a criança interior “falar alto”.

Elas se unem para passear, ausentar e criar espaço na única vida que conhecem. Passear é permitido: é a única via aceita para se afastar do cotidiano e se aproximar delas mesmas.

Por entre girassóis e hortênsias, em meio ao perfume inebriante das uvas, ouvem-se segredos, particularidades, desafios, risadas de desopilar o fígado, o que, sobretudo, as afasta da ordinariedade do dia a dia. É um voo baixo, mas, ainda assim, é um voo.

São mulheres que merecem toda reverência, todo apoio, para passearem juntas de braços dados, sonhando e vivendo junto das flores!

* texto de Carmen Zattera, aposentada, que reside em Caxias do Sul (RS)

Comentários  

0 #2 Carmelita Iop 07-02-2022 14:03
Amei o texto, me fez relembrar a minha trajetória e a das minhas 3 irmãs. Ou seja aqui também são "apenas quatro mulheres" cada uma com sua própria história. Parabéns Carmen Zattera
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0 #1 ROSILENE DE FÁTIMA M 06-02-2022 22:10
Parabéns à quem escreveu; parabéns Diário da Pandemia!
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